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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O DESPERTAR DA COMPAIXÃO

O DESPERTAR DA COMPAIXÃO

Em 1992, fui com um grupo de cientistas para os Himalaias para estudar os efeitos da meditação. Um dos tópicos da investigação era a compaixão. Perguntamos a um velho monge tibetano, mestre de vários outros iogues que viviam nas montanhas, sobre a relação entre sofrimento e compaixão. Na tradição budista se diz que um bodisatva, pessoa constantemente motivada a ajudar os seres sencientes a atingir o despertar espiritual, olha para todos os seres como uma mãe olha para seus filhos. Quando uma criança se machuca, a mãe sente compaixão e sofre. Uma vez que a finalidade do Darma é aliviar o sofrimento, os neurocientistas então perguntaram ao iogue sobre qual é a relação entre sofrimento e compaixão.
O velho monge explicou: “O sofrimento empático vem antes da compaixão.” O primeiro estágio da compaixão é a empatia. Com empatia, há sofrimento. Mas o sofrimento que se sente com a empatia se torna combustível para o fogo da compaixão. A empatia combinada ao que os tibetanos chamam de sem-shuk, ou “poder do coração”, acende a compaixão. O poder da compaixão está além do sofrimento pessoal e está focado em soluções, no quê pode ser feito. O velho iogue explicou aos neurocientistas que quando a compaixão surge, o sofrimento é transcendido e a atenção se volta a como ser útil. O sofrimento é o combustível da compaixão, não o seu resultado.
Trecho extraído do livro “Budismo com atitude“, por Alan Wallace.

COMPAIXÃO: A SOBREVIVÊNCIA DO MAIS GENTIL

IMAGINE PASSAR SUA VIDA INTEIRA em um pequeno quarto com apenas uma janela fechada e tão suja que mal deixe passar a luz.  Você provavelmente acharia que o mundo é um lugar bastante obscuro e sombrio, repleto de criaturas de formas estranhas que lançam sombras aterrorizantes no vidro sujo quando passam pelo seu quarto. Mas imagine que um dia você derrame um pouco de água na janela, ou um pouco de chuva escorra pelo vidro depois de uma tempestade e use um trapo ou a manga de sua camisa para enxugar a água. Ao fazer isso, parte da sujeira acumulada no vidro é limpa. Subitamente, um pequeno feixe de luz atravessa o vidro. Curioso, você pode limpar um pouco mais e, à medida que mais sujeira é limpa, mais luz entra no quarto. “Talvez”, você pensa, “o mundo não seja tão escuro e assustador. Talvez seja o vidro”.
 Você vai até a pia e pega mais água (e talvez mais alguns trapos) e esfrega até que toda a superfície da janela fique livre da sujeira. A luz entra em todo o seu resplendor e você percebe, talvez pela primeira vez, que todas aquelas sombras de formas estranhas que costumavam assustá-lo a cada vez que passavam eram pessoas — exatamente como você! E, das profundezas de sua consciência, surge o desejo instintivo de formar um vínculo social — sair para a rua e estar com essas pessoas.
Na verdade, você não mudou absolutamente nada. O mundo, a luz e as pessoas sempre estiveram lá. Você só não conseguia vê-los porque sua visão estava obscurecida. Mas agora você vê tudo, e que enorme diferença isso faz!
É isso que, na tradição budista, chamamos de despertar da compaixão, o despertar de uma capacidade inata de identificar-se com e compreender a experiência dos outros.

A BIOLOGIA DA COMPAIXÃO

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O budismo entende a compaixão de uma forma, em alguns aspectos, um pouco diferente do sentido comum da palavra. Para os budistas, a compaixão não significa apenas sentir pena das outras pessoas. O tempo tibetano — nying-jay —implica uma expansão absolutamente direta do coração. Provavelmente a tradução mais próxima de nying-jay seja “amor” — mas um tipo de amor sem apego e sem nenhuma expectativa de obter algum retorno. A compaixão, em termos tibetanos, é um sentimento espontâneo de vínculo com todos os seres vivos. O que você sente eu sinto; o que eu sinto você sente. Não há nenhuma diferença entre nós. 
 Biologicamente, somos programados para reagir a nosso ambiente em termos relativamente simples de evitar ameaças à nossa sobrevivência e aproveitar oportunidades de melhorar nosso bem-estar. Basta folhear as páginas de um livro de história para ver que o desenvolvimento humano é, com muita freqüência, um conto de violência escrito com o sangue de seres mais fracos.
 E mesmo assim parece que a mesma programação biológica que nos impulsiona na direção da violência e da crueldade também nos proporciona emoções que não apenas inibem a agressão, mas também nos impelem a agir de maneiras que sobrepujem o impulso de sobrevivência pessoal para atuar a serviço dos outros. Surpreendi-me com uma afirmação feita por Jerome Kagan, professor de Harvard, durante sua apresentação na conferência de 2003 do Mind and Life Institute, quando ele observou que, junto com a nossa tendência para a agressão, nosso instinto de sobrevivência nos equipou com “uma tendência biológica ainda maior para a gentileza, a compaixão, o amor e o cuidado com o outro”.
 Ouvi várias histórias sobre o número de pessoas que arriscaram suas vidas durante a Segunda Guerra Mundial para oferecer refúgio aos judeus europeus perseguidos pelos nazistas e sobre os heróis anônimos de hoje que sacrificam seu próprio bem-estar para ajudar as vítimas da guerra, da fome e da tirania em vários países do mundo. Além disso, muitos de meus alunos ocidentais são pais que sacrificam uma enorme quantidade de tempo e energia indo e vindo com os filhos entre competições esportivas, atividades musicais e outros eventos, enquanto pacientemente reservam dinheiro para a educação das crianças.
 Sacrifícios como esses parecem, em um nível individual, indicar um conjunto de fatores biológicos que transcendem medos e desejos pessoais. O simples fato de termos sido capazes de criar sociedades e civilizações que pelo menos reconhecem a necessidade de proteger e cuidar dos pobres, dos fracos e dos indefesos sustenta a conclusão do professor Kagan de que “o senso ético é uma característica biológica de nossa espécie”.
 Essas observações ressoam quase completamente com a essência dos ensinamentos do Buda: quanto mais claramente vemos as coisas como são, mais dispostos e capazes nos tornamos de abrir nossos corações a outros seres.Quando reconhecemos que os outros vivenciam dor e infelicidade porque não reconhecem sua verdadeira natureza, somos espontaneamente movidos por um desejo profundo de que eles vivenciem o mesmo senso de paz e clareza que começamos a conhecer.
Assim que reconhecemos que os outros seres sencientes — pessoas, animais e até insetos — são exatamente como nós, que sua motivação básica é vivenciar a paz e evitar o sofrimento, quando alguém age de alguma maneira ou diz alguma coisa que se oponha a nossos desejos, somos capazes de ter alguma base para a compreensão: “Ah, tudo bem, essa pessoa (ou esse animal) está assumindo essa posição porque, assim como eu, ela quer ser feliz e evitar o sofrimento. E essa é a sua motivação básica. Não é nada pessoal; ela só está fazendo o que acha que precisa fazer.”
A compaixão é a sabedoria espontânea do coração. Ela está sempre conosco. Ela sempre esteve e sempre estará. Quando surge em nós, é porque aprendemos a ver como somos, na realidade, fortes e seguros.
Se você realmente quiser ver o quão ativa uma mente compassiva pode ser, há um exercício muito simples que provavelmente não tomará mais de cinco minutos do seu tempo. Pegue uma caneta e papel e faça uma lista de dez problemas que você gostaria de ver resolvidos. Podem ser problemas globais ou questões que o cercam. Você não precisa pensar em soluções. Simplesmente faça a lista.
O simples ato de escrever essa lista mudará sua atitude significativamente. Isso despertará a compaixão natural de sua verdadeira mente.
COMPAIXAO
Recentemente, um aluno me disse que achava que “bondade amorosa” e “compaixão” eram termos frios. Essas palavras soavam muito distantes e acadêmicas, muito parecidas com um exercício intelectual de ter pena das outras pessoas. “Por que”, ele perguntou, “não podemos usar uma palavra mais simples e direta, como ‘amor’?”
Há alguns bons motivos pelos quais os budistas usam os termos “bondade amorosa” e “compaixão”, e não um termo mais simples como “amor”. A palavra “amor” está tão ligada a reações mentais, emocionais e físicas associadas ao desejo que há algum perigo em associar esse aspecto da abertura da mente com o reforço da ilusão essencialmente dualista do “eu” e do “outro”: “Eu o amo” ou “Eu amoisto”. Há um sentido de dependência do objeto amado e uma ênfase no benefício pessoal de amar e ser amado. Sem dúvida, há exemplos de amor, como o vínculo entre um pai e um filho, que transcendem o benefício pessoal para incluir o desejo de beneficiar outra pessoa. A maioria dos pais provavelmente concordaria que o amor que sentem em relação aos filhos envolve mais sacrifício do que recompensas pessoais. Entretanto, em geral, os termos “bondade amorosa” e “compaixão” servem como “faróis vermelhos” lingüísticos. Eles nos fazem parar e pensar sobre o nosso relacionamento com os outros. Sob a perspectiva budista, abondade amorosa é o desejo de que todos os seres sencientes — mesmo aqueles de quem não gostamos — vivenciem o mesmo senso de alegria e liberdade que nós mesmos desejamos sentir: um reconhecimento de que todos nós vivenciamos os mesmos tipos de desejos e necessidades; o desejo de viver nossas vidas em paz e sem medo da dor. Até uma formiga ou uma barata vivência os mesmos tipos de necessidades e medos que os humanos. Como seres sencientes, somos todos parecidos; somos todos relacionados. A bondade amorosa implica um tipo de desafio para desenvolver essa consciência de gentileza ou associação em um nível emocional, e até físico, em vez de permitir que o termo permaneça em um conceito intelectual.
 A compaixão leva essa capacidade de considerar outro ser senciente como um igual ainda mais longe. Seu significado básico é “sentir com”, um reconhecimento de que o que você sente eu sinto. Tudo o que o prejudica me prejudica. Tudo o que o beneficia me beneficia. A compaixão, em termos budistas, é uma completa identificação com os outros e uma prontidão ativa para ajudá-los de qualquer maneira.
 Encare a palavra em termos práticos. Se você mentir para alguém, por exemplo, quem você realmente prejudica? A si mesmo. Você precisa viver com o peso de se lembrar da mentira que contou, eliminar todos os rastros e talvez montar toda uma rede de novas mentiras para impedir que a mentira original seja descoberta. Ou suponha que você roube alguma coisa, mesmo algo tão sem valor quanto uma caneta, do seu escritório ou de outro lugar. Pense no número de grandes e pequenas ações envolvidas para esconder o que você fez. E, apesar de toda a energia gasta para encobrir sua ação, você quase inevitavelmente será pego. Não há como esconder cada detalhe. Assim, no final, o que você de fato fez foi despender muito tempo e esforço, que poderia ter sido direcionado para algo mais construtivo.
A compaixão é essencialmente o reconhecimento de que todos e tudo são um reflexo de todas as outras pessoas e todas as outras coisas. E com uma simples mudança de perspectiva, você pode não apenas alterar a própria experiência, mas também mudar o mundo.

EXERCÍCIO: NÍVEL UM DE MEDITAÇÃO SOBRE BONDADE AMOROSA E COMPAIXÃO

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A meditação sobre a bondade amorosa e a compaixão compartilha muitas semelhanças com as práticas shinay, das quais já falamos. A  principal diferença é a escolha do objeto no qual repousamos nossa atenção e os métodos que utilizamos para repousar nossa atenção. Uma das lições mais importantes que aprendi em meus anos de treinamento formal foi que, sempre que bloqueava a compaixão, que é uma qualidade natural de minha mente, inevitavelmente acabava me sentindo pequeno, vulnerável e temeroso. É fácil achar que nós somos os únicos a sofrer, enquanto outras pessoas são de alguma forma imunes à dor, como se tivessem nascido com algum tipo de conhecimento especial sobre ser feliz, por meio de algum acidente cósmico, que nunca recebemos. Ao pensar assim, fazemos com que nossos próprios problemas pareçam muito maiores do que realmente são.
 Eu fui tão responsável por essa crença quanto todo mundo e, como resultado, me permiti ficar isolado, preso em um modo dualista de pensar, com pena de meu “eu” fraco, vulnerável, e temendo todas as outras pessoas do mundo, que eu considerava muito mais fortes, felizes e seguras. O poder que eu achava que as outras pessoas tinham sobre mim se tornou uma terrível ameaça a meu próprio bem-estar. A qualquer momento, eu pensava, alguém poderia encontrar uma forma de destruir toda a segurança ou felicidade que eu conseguira atingir.
Depois de trabalhar durante anos com pessoas, dei-me conta de que não era o único a ter sentimentos desse tipo. Alguma parte de nosso cérebro reptiliano imediatamente avalia se estamos diante de um amigo ou inimigo. Aos poucos, essa percepção se estende aos objetos inanimados, até que tudo — um computador, um fusível, a luz piscante de uma secretária eletrônica — parece, de alguma forma, ameaçador.
 Quando comecei a praticar a meditação sobre compaixão, contudo, descobri que meu senso de isolamento começou a diminuir, enquanto, ao mesmo tempo, meu senso pessoal de autonomia e força começou a crescer. Onde eu só via problemas, comecei a ver soluções. Onde no passado eu via minha própria felicidade como algo mais importante que a felicidade alheia, comecei a ver o bem-estar dos outros como as bases para a minha própria paz de espírito.
 Da forma como me ensinaram, o desenvolvimento da bondade amorosa e da compaixão começa com o aprendizado de como apreciar a si mesmo. Trata-se de uma lição difícil, especialmente para pessoas que cresceram em culturas nas quais não é comum ater-se a fraquezas pessoais, privilegiando, em seu lugar, forças pessoais. Não se trata de um problema particularmente ocidental. Desenvolver uma atitude compassiva em relação a mim mesmo literalmente salvou minha vida durante meu primeiro ano de retiro. Eu poderia nunca ter saído do meu quarto se não tivesse confrontado minha verdadeira natureza, olhado profundamente em minha própria mente e visto sua verdadeira força, em vez da vulnerabilidade que sempre achei que estivesse presente.
 Uma das coisas que me ajudaram quando estava sozinho em meu quarto foi me lembrar que a palavra sânscrita para “ser humano” é ■purusha, que basicamente significa “algo que tem força”. Ser humano significa ter força; mais especificamente, a força de realizar o que quisermos. E o que queremos remete ao impulso biológico básico de ser feliz e evitar a dor.
Assim, no começo, desenvolver a bondade amorosa e a compaixão significa usar a si mesmo como o objeto de seu foco meditativo. O método mais fácil é um tipo de variação da “prática de escaneamento” descrita anteriormente. Se você estiver praticando formalmente, fique na postura dos sete pontos da melhor maneira possível. Fique com a coluna ereta enquanto mantém o restante do corpo relaxado e equilibrado e permita que sua mente relaxe em um estado de mera consciência.
Após alguns momentos repousando sua mente na meditação sem objeto, faça um rápido “exercício de escaneamento”, observando, gradualmente, seu corpo físico. A medida que escaneia seu corpo, permita-se reconhecer como é maravilhoso ter um corpo, bem como uma mente capaz de escaneá-lo. Permita-se reconhecer como esses fatos tão básicos de sua existência são magníficos, como você tem sorte de ter os dons deslumbrantes de um corpo e de uma mente! Repouse nesse reconhecimento por um momento e então, gentilmente, inclua o seguinte pensamento: “Como seria bom se eu pudesse sempre desfrutar esse senso de bem-estar. Como seria bom se eu pudesse sempre desfrutar esse senso de bem-estar e todas as causas que levam a me sentir feliz, tranqüilo e bem.”
Então, somente permita que sua mente repouse, aberta e relaxada. Não tente manter essa prática por mais de três minutos se estiver praticando formalmente ou mais de alguns segundos durante sessões de meditação informal. É muito importante praticar em sessões curtas e depois permitir que sua mente repouse. Breves sessões de prática seguidas de períodos de repouso permitem que essa nova consciência se estabilize — ou, em termos científicos ocidentais, dão a seu cérebro a chance de estabelecer novos padrões sem ser subjugado pela antiga tagarelice neuronal. Quando abandona a prática, você dá a si mesmo a chance de permitir que os efeitos o inundem de sentimento positivo.
Uma vez que você se familiariza com o próprio desejo de felicidade, fica muito mais fácil estender essa consciência aos outros seres sencientes a seu redor — pessoas, animais e até insetos. A prática da bondade amorosa e da compaixão em relação aos outros essencialmente envolve cultivar o reconhecimento de que todas as criaturas vivas querem sentir-se plenas, seguras e felizes. Tudo o que você precisa fazer é lembrar-se de que tudo o que se passa na mente de outra pessoa é o mesmo que se passa na sua. Quando você se lembra disso, percebe que não há motivo para ter medo de qualquer pessoa ou qualquer coisa. Você só tem medo quando falha em reconhecer que qualquer coisa ou qualquer pessoa que você possa estar encarando é exatamente como você: uma criatura que só quer ser feliz e estar livre do sofrimento.
Os textos budistas clássicos ensinam que deveríamos nos concentrar primeiro em nossas mães, que demonstraram a maior gentileza possível em relação a nós ao nos carregar em seus corpos, trazer-nos ao mundo e cuidar de nós nos primeiros anos de nossas vidas, muitas vezes com muito sacrifício. Entendo que muitas pessoas nas culturas ocidentais nem sempre têm relacionamentos amáveis e afetuosos com seus pais — casos nos quais usar o pai ou a mãe como objetos de meditação não seria algo muito prático. Nesses casos, é perfeitamente aceitável concentrar-se em outro objeto, como um parente especialmente gentil, um professor, um amigo ou uma criança. Algumas pessoas escolhem se concentrar em seus animais de estimação. Não importa o objeto de sua meditação; o importante é repousar levemente sua atenção em algo ou alguém em relação ao qual você tem um profundo sentimento de afeto ou carinho. Ao assumir a bondade amorosa e a compaixão como uma prática formal, comece mantendo a postura dos sete pontos ou, pelo menos (se estiver sentado em um ônibus, por exemplo), mantendo sua coluna reta enquanto permite que seu corpo repouse naturalmente. Como em qualquer prática de meditação, uma vez que posicionar seu corpo, o próximo passo será permitir que sua mente repouse naturalmente por alguns momentos e desligar-se de tudo o que você possa estar pensando no momento. Somente permita que sua mente respire em um grande suspiro de alívio.
Depois de repousar sua mente por alguns momentos na meditação sem objeto, conduza sem esforço sua consciência para a pessoa pela qual você tenha mais facilidade de sentir carinho, afeição ou interesse. Não se surpreenda se a imagem de alguém ou alguma coisa que você não escolheu deliberadamente aparecer com mais força do que o objeto com o qual você pode ter escolhido trabalhar. Isso acontece, muitas vezes de forma bastante espontânea. Um de meus alunos começou sua prática formal pretendendo concentrar-se em sua avó, que foi muito afetuosa com ele quando era jovem; mas a imagem que insistia em aparecer era a de um coelho que ele tinha na infância. Esse é só um exemplo da afirmação da sabedoria natural da mente. Na verdade, ele tinha várias memórias afetuosas associadas ao coelho e, quando, finalmente, se entregou a elas, a prática se tornou bastante fácil.
Por vezes, você pode perceber que sua mente produz espontaneamente memórias de uma experiência agradável que você teve com alguém, e não uma imagem mais abstrata da pessoa que escolheu como objeto de meditação. Tudo bem se isso acontecer. O importante em cultivar a bondade amorosa e a compaixão é permitir-se vivenciar sentimentos genuínos de afeto, carinho ou afeição.
A medida que prossegue, permita que o senso de afeto ou carinho se estabeleça em sua mente, como uma semente plantada no solo, alternando por alguns minutos entre vivenciar essa experiência e permitir que sua mente repouse na meditação sem objeto. Enquanto alterna entre esses dois estados, permita-se desejar que o objeto de sua meditação possa vivenciar o mesmo senso de abertura e afeto que você sente em relação a ele ou a ela.
Depois de praticar dessa forma por algum tempo, você está pronto para ir um pouco mais fundo. Comece como antes, assumindo a postura apropriada e permitindo que sua mente repouse na meditação sem objeto por alguns momentos ; em seguida, conduza à mente o objeto de sua bondade amorosa e compaixão. Uma vez que tenha estabelecido o objeto de sua meditação, há algumas formas diferentes de prosseguir. A primeira é imaginar o objeto escolhido em um estado de muita tristeza ou dor. Se o objeto escolhido já estiver nessa condição, pense em sua condição presente. De qualquer forma, a imagem que você chama à mente naturalmente produz um profundo senso de amor e vínculo e um profundo desejo de ajudar. Pensar que alguém ou alguma coisa com a qual você se importa está sentindo dor pode partir seu coração. Mas um coração partido é um coração aberto. E é uma oportunidade para que o amor e a compaixão fluam através de você.
Outra abordagem é repousar levemente sua atenção no objeto escolhido enquanto se pergunta: “O quanto eu quero ser feliz? O quanto eu quero evitar a dor ou o sofrimento?” Permita que seu pensamento sobre esses pontos seja o mais específico possível. Por exemplo, se você estivesse em algum lugar muito quente, não preferiria ir para um lugar mais aberto ou fresco? Se estivesse sentindo algum tipo de dor física, não gostaria que a dor fosse aliviada? Enquanto pensa em suas respostas, conduza lentamente sua atenção ao objeto escolhido e imagine como ele se sentiria na mesma situação. Essa prática não apenas abre seu coração aos outros seres, mas também dissolve a própria identificação com qualquer dor ou desconforto que possa estar sentindo.
Trecho extraído do livro ”A Alegria de Viver – Descobrindo o segredo da felicidade”,  de Mingyur Rinpoche.

COMPAIXÃO GENUÍNA, POR DALAI LAMA

sábado, 26 de outubro de 2013

MEDITAÇÃO E CURA


GERALMENTE, SE VOCÊ TEM UM FALATÓRIO MENTAL,CHAMA ISSO DE PENSAMENTOSMAS SE ESTÁ PROFUNDAMENTE ENVOLVIDO EM ALGO EMOCIONAL, VOCÊ DÁ PRESTÍGIO ESPECIAL A ISSO. VOCÊ PENSA QUE ESSES PENSAMENTOS MERECEM O PRIVILÉGIO ESPECIAL DE SEREM CHAMADOS DE “EMOÇÃO”.
DE ALGUMA MANEIRA, NOS DOMÍNIOS DA MENTE DE FATO,AS COISAS NÃO SÃO ASSIM. O QUE QUER QUE SURJA SÃO APENAS PENSAMENTOS: PENSAR QUE ESTAMOS COM TESÃO, PENSAR QUE ESTAMOS COM RAIVA. NO QUE CONCERNE À PRÁTICA DA MEDITAÇÃO, SEUS PENSAMENTOS NÃO SÃO MAIS TRATADOS COMO VIPS, ENQUANTO VOCÊ MEDITA.
VOCÊ PENSA, VOCÊ MEDITA; VOCÊ PENSA, VOCÊ MEDITA; VOCÊ PENSA, VOCÊ MEDITA. VOCÊ TEM PENSAMENTOS, VOCÊ TEM PENSAMENTOS SOBRE PENSAMENTOS. DEIXE QUE SEJA ASSIM. CHAME-OS DE PENSAMENTOS.
CHOGYAM TRUNGPA (TIBETE, 1939 – CANADÁ, 1987)
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MEDITAÇÃO E CURA

A meditação (chamada dhyana em sânscrito e zen em japonês) é o cerne da prática budista. O objetivo da meditação é ajudar o praticante a chegar a uma compreensão profunda da realidade. Esta introspecção tem a capacidade de libertar-nos do medo, da ansiedade e da depressão. Pode produzir compreensão e compaixão, pode elevar a qualidade de vida e trazer liberdade, paz e alegria para nós mesmos e para as pessoas ao nosso redor.
Sobretudo na última parte do século XX, as pessoas do Ocidente começaram a voltar sua atenção para a meditação. O conforto material do Ocidente não é suficiente para trazer felicidade. Nossas mágoas, nossas preocupações e nossos problemas só podem ser resolvidos mediante uma vida espiritual. O budismo e a prática da meditação estão indicando atualmente a um maior número de pessoas um caminho para responder a estas dificuldades.
A meditação sentada é a forma mais comum de meditação, mas também podemos praticá-la em outras posições como caminhando, em pé ou deitados. Quando lavamos roupa, cortamos lenha, regamos as plantas ou dirigimos o carro – onde quer que estejamos, o que quer que façamos, seja qual for a posição de nosso corpo, se as energias da mente alerta, da concentração e da introspecção estiverem presentes em nossa mente, em nosso corpo, então estamos praticando a meditação. Não precisamos ir a um templo, a uma igreja ou a um centro de meditação para meditar. Viver em sociedade, ir ao trabalho todo dia, cuidar de nossa família também são oportunidades de praticarmos a meditação. A meditação tem o efeito de nutrir e curar o corpo e a mente. E devolve ao praticante e às pessoas que o cercam a alegria de viver. (…)
A meditação é especialmente indicada para nos ajudar naquilo que o budismo chama de nós interiores e de complexos de identidade. Esses grilhões nos impedem de estar conscientes no momento atual.
Os nós interiores são um conjunto de ilusões, repressões, medos e ansiedades que se fixaram nas profundezas de nossa consciência. Eles são capazes de nos constranger e nos levar a fazer, dizer e pensar coisas que na realidade não queremos fazer, dizer ou pensar. Os nós interiores são plantados e alimentados por nossa ausência da mente alerta durante a vida de todo dia. Os dez nós interiores principais são: ganância, ódio, ignorância, vaidade, desconfiança, fixação no corpo como se fosse o eu, pontos de vista extremados e preconceitos, apego a ritos e rituais, ânsia de imortalidade, desejo ardente de manter as coisas exatamente como são. Nossa saúde e nossa felicidade dependem em grande parte de nossa habilidade de transformar esses dez grilhões.
1246_628807643815752_245273333_nA mente alerta tem a capacidade de reconhecer os nós interiores quando eles aparecem em nossa consciência. Esses nós interiores se formaram no passado, às vezes foram energias habituais a nós transmitidas por nossos pais e avós. Não precisamos voltar ao passado e cavar nas lembranças, como se faz na psicologia, para descobrir as raízes dessas partes turvas e emaranhadas de nossa mente. A energia da mente alerta é capaz de reconhecer as formações interiores quando elas se manifestam e olhar profundamente para dentro delas, de modo que podemos ver as raízes desses nós emaranhados.
A prática da meditação nos ajuda a ver a interconexão e a interdependência de tudo o que existe. Não há fenômeno, seja ele humano ou material, que possa aparecer por si só e durar por si só. O fato é que uma coisa depende da outra para surgir e durar. Esta é a introspecção da interdependência, às vezes chamada também de inter-ser ou não-eu. Não-eu significa que não há uma entidade permanente separada. Todas as coisas estão em constante mutação. Pai e filho, por exemplo, não são duas realidades separadas. O pai existe no filho, e o filho existe no pai. O filho é a continuação do pai no futuro, e o pai é a continuação do filho no passado da fonte. A felicidade do filho está ligada à felicidade do pai. Se o pai não é feliz, a felicidade do filho não pode ser perfeita. A natureza de todas as coisas é não-eu. Não’ há um eu separado e independente.
No âmbito da psicoterapia, a baixa auto-estima é considerada doença. Na prática da mente alerta, tanto a baixa quanto a alta auto-estima e também a necessidade de julgar-se exatamente igual às outras pessoas também são consideradas doenças ou, como dizemos no budismo, complexos. Todos esses três complexos se baseiam na idéia de um eu separado. Baseiam-se todos no orgulho: orgulho de ser melhor, orgulho de ser pior e orgulho de ser igual. O sofrimento que nasce da raiva, da inveja, do ódio e da vergonha só pode ser completamente transformado quando chegamos à introspecção do não-eu. Este é o fundamento da prática da cura na meditação.
“AS RAZÕES MAIS PROFUNDAS PARA AMAR A SI MESMO NÃO TEM NADA A VER COM NADA FORA DE VOCÊ – NÃO COM O SEU CORPO OU COM AS EXPECTATIVAS QUE OS OUTROS TÊM DE VOCÊ. SE VOCÊ ENTRAR EM CONTATO COM SUA PRÓPRIA BONDADE, NADA SERÁ CAPAZ DE PREJUDICAR A SUA AUTO-ESTIMA.” KARMAPA
O mestre zen Thuong Chieu, do Vietnã do século XI, disse que, se conhecêssemos o caminho das atividades da mente, a prática da meditação seria fácil. A escola de budismo da Consciência Somente (Consciousness Only) fala de oito espécies de consciência: as consciências dos cinco sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato); consciência da mente; manas (consciência da identidade) e depósito de consciência.
Manas é a energia ligada à idéia de que existe um eu separado, independente e duradouro, oposto àquelas coisas que não são o eu. A consciência alaya, ou depósito de consciência, é semelhante a um jardim que contém todo tipo de sementes; e a consciência da mente é semelhante ao jardineiro. Quando praticamos a meditação, a consciência da mente está trabalhando, mas o depósito de consciência também está trabalhando secretamente dia e noite. A mente inconsciente da psicologia ocidental é apenas uma parte do depósito de consciência. Se conseguirmos reconhecer e transformar os nós interiores que estão no fundo de nossa consciência, isto levará à liberdade e à cura. Isto se chama transformação na base (asrayaparavritti). Significa a transformação que ocorre justamente na subestrutura da consciência.
Quando nossos desejos, medos e sentimentos de indignação são reprimidos, ficam quais sementes que não recebem o oxigênio nem a água de que precisam para crescer e se transformar em algo belo; e podemos experimentar, tanto no corpo como na alma, sintomas que se originam desse bloqueio. Apesar dessas formações mentais terem sido reprimidas, ainda têm a função de nos prender e dirigir, tornando-se assim nós interiores muito fortes. Temos o hábito de virar-lhes as costas, agindo como se elas não existissem, e é por isso que elas não têm oportunidade de emergir e aparecer em nossa consciência mental. Procuramos esquecer, consumindo mais coisas. Não queremos encarar esses sentimentos de dor e de abatimento. Queremos preencher a área da consciência mental de modo que o espaço todo seja ocupado e os sentimentos de pesar que estão no fundo não encontrem lugar para se manifestar. Assistimos aos programas de televisão, ouvimos rádio, folheamos livros, lemos jornais, conversamos, jogamos cartas e bebemos bebidas alcoólicas, tudo para esquecer.
mente-humana2_c3a1rvoreQuando nosso sangue já não pode circular, aparecem sintomas de doenças em nosso corpo. Da mesma forma, quando as formações mentais são reprimidas e não podem circular, começam a aparecer sintomas de doenças físicas e mentais. Precisamos saber como parar com a repressão, para que as formações mentais de desejo, medo, indignação, etc. tenham oportunidade de se manifestar, ser reconhecidas e transformadas. Cultivar a energia da mente alerta através da meditação pode ajudar-nos a fazer isso. Praticar a mente alerta através da prática diária da meditação vai ajudar-nos a reconhecer, acolher e transformar nossos sentimentos de sofrimento.
Quando reconhecemos e acolhemos essas formações mentais, em vez de reprimi-las, sua energia negativa diminui um pouco. Contudo, meditar sobre essas formações mentais por cinco ou dez minutos pode ajudar. Na próxima vez que surgirem, serão novamente reconhecidas e acolhidas e voltarão ao depósito de consciência. Se permanecermos nesta prática, não mais temeremos nossas formações mentais negativas, não mais as empurraremos para baixo ou as reprimiremos como fizemos até agora.
A boa circulação em nossa mente pode ser restabelecida e as complicações psicológicas que causam bloqueios no corpo podem desaparecer aos poucos.
A mente alerta é sobretudo a capacidade de simplesmente reconhecer a presença de um objeto sem tomar partido, sem julgar, sem cobiçar e sem desprezar este objeto. Por exemplo, suponhamos que exista um lugar dolorido em nosso corpo. Com a mente alerta, nós simplesmente reconhecemos esta dor. Isto pode ser um tipo de oração bem diferente daquele a que você está acostumado, mas sentar em meditação e estar consciente desta dor, isto também é oração. Com a energia da concentração e da introspecção, somos capazes de ver e entender a importância dessa dor, o verdadeiro motivo por que surgiu e a maneira como seremos capazes de curá-la, com base na compreensão que provém da mente alerta e da concentração. Se tivermos ansiedade demais, se estivermos imaginando sempre coisas, esta ansiedade e estas imaginações vão trazer estresse à nossa mente, e a dor aumentará. Não é câncer, mas nós imaginamos que é câncer, e nós nos preocupamos e lamentamos até não mais conseguir comer nem dormir. A dor redobra e pode levar a uma situação mais grave.
Em um sutra, o Buda dá o exemplo de duas flechas. Se uma segunda flecha é lançada para dentro da ferida causada pela primeira flecha, a dor não será apenas dobrada, mas dez vezes maior. Não deveríamos deixar que uma segunda ou terceira flechas chegassem e nos ferissem ainda mais por causa de nossa imaginação e de nossas preocupações.
Quando perseguimos os objetos do desejo dos nossos sentidos como dinheiro, fama, poder e sexo, não estamos em condições de produzir autêntica felicidade. Ao contrário, criamos muito sofrimento para nós e para os outros. Os seres humanos estão repletos de desejos. Dia e noite correm atrás desses desejos e, por isso, não são livres. Se não forem livres, não se sentem à vontade e não experimentam a felicidade. Se tivermos poucos desejos, ficamos satisfeitos com uma vida simples e saudável, com viver profundamente cada instante da vida diária, com amar e cuidar de nossos entes queridos. Este é o segredo da verdadeira felicidade. Na nossa sociedade atual, muitíssimas pessoas procuram a felicidade na satisfação dos desejos dos sentidos. Aumentou em muito o sofrimento e o desespero.
O sutra da Floresta fala do desejo como de uma armadilha. Se formos pegos na armadilha do desejo, vamos lamentar e perder toda nossa liberdade, e não podemos ter verdadeira felicidade. O medo e a ansiedade também geram sofrimento. Se tivermos suficiente compreensão para aceitar uma vida simples e estar satisfeitos com o que temos, não nos precisamos preocupar mais nem temer nada. É só porque achamos que amanhã podemos perder nosso emprego e não receber o salário mensal que vivemos em constante nervosismo e ansiedade. Por isso, a única saída para nossa civilização é consumir pouco e produzir mais felicidade.
(Do livro “A energia da oração” – Thich Nhat Hanh)
VOCÊ SABE, A ÚNICA COISA QUE REALMENTE ME SURPREENDEU QUANDO FUI PELA PRIMEIRA VEZ PARA O OCIDENTE ERA OUVIR PESSOAS DIZENDO: ”EU ME ODEIO”, EU NUNCA PODERIA ENTENDER ISSO. MAS AGORA EU ACHO QUE ENTENDO, QUANDO AS PESSOAS DIZEM: ”EU ME ODEIO”, O QUE ELES REALMENTE QUEREM DIZER É: ”EU ME AMO DEMAIS”, E ELAS ESTÃO SEMPRE DECEPCIONADAS POR NÃO CORRESPONDER ÁS EXPECTATIVAS QUE TÊM DE SI MESMAS! ACHO QUE O QUE ELAS QUEREM DIZER É: ”EU SEMPRE ESTOU DECEPCIONADO COMIGO MESMO”.   TAI SITU RINPOCHE, ENTREVISTADO POR MICK BROWN.

O SOFRIMENTO É UM ATALHO

Não podemos minimizar o efeito de uma boa meditação de quarenta minutos, que é tempo que um praticante mais maduro deve fazer. Então essa prática para a vida diária vai mudando essas questões do que alcançar. Sentir que não alcançou nada também já é muito bom. Porque um dos grandes problemas de quem começa a praticar é pensar que atingiu algo, ele senta-se e pensa – Ah, eu adquiri serenidade – ou – Que bom, eu pratico meditação e sou mais sereno, sou mais “zen” – como se diz na gíria. Há até quem se ache iluminado. Mas isso não tem nada a ver com o zen. Sentar-se e adquirir serenidade é uma prática que poder ser feita de muitas formas e não precisa, em absoluto, ter um objetivo espiritual. A serenidade é apenas um subproduto do sentar-se quieto em meditação, nada mais que isso. É como muita prática de ioga que se faz hoje em dia e transforma-se em ginástica simplesmente, mas que não tem objetivos espirituais, é mera busca de poder e prazer, a ioga com objetivos espirituais é outra coisa.
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Então o primeiro que os alunos fazem quando se apresentam é sentar para meditar. Se você não ficar sentado quieto quarenta minutos não vai ouvir nenhum ensinamento, e se não voltar não tem problemas, porque o Zen não é para curiosos nem para pessoas que esperam resultados instantâneos ou uma panacéia, o Zen é para pessoas com a cabeça em chamas. Então tem que haver angústia, porque só a angústia existencial mobilizou Buda para prática, porque estava angustiado largou mulher, filho e foi para o meio da floresta e treinou, só por isso. Então é necessária a angústia, a inquietude e o desejo de se libertar. Por isso esse sofrimento é um atalho para a realização espiritual. E um corpo humano é a grande oportunidade, porque os homens tem as duas coisas, prazeres e dores.
P: Eu sei que não existe uma fórmula pra isso, mas como é complexo não pensar não é?
Monge Genshô: Não pense em não pensar. Quando se está fazendo zazen (meditação), não se trata de “não pensar”, mas sim de ficar prestando atenção completa a este momento presente, que é uma forma de pensar, não elaborando, não julgando, não conversando consigo mesmo, não usando palavras nem nada, apenas percebendo. Mas não é um “não pensar”. É pensando além do pensar e não pensar. Não se trata de não pensar, porque o cérebro continua funcionando. Ele está ali, vigilante e atento. Não é pra dormir. Quando você dorme, outra parte do cérebro toma conta e você começa a ter sonhos, que são uma atividade que não permite o zazen. O zazen precisa de vigília, de atenção. 
Texto de Monge Genshô.
EXAMINAMOS SINCERAMENTE NOSSA EXISTÊNCIA. COMO ESTÁ NOSSA VIDA? QUAIS FORAM ATÉ AGORA NOSSAS PRIORIDADES E O QUE QUEREMOS PARA O TEMPO DE VIDA QUE NOS RESTA?
Somos um misto de sombras e luzes, de qualidades e defeitos. Seria essa uma maneira de ser ideal, um fato inevitável? Se assim não for, o que fazer? Essas perguntas merecem ser feitas, sobretudo, se sentimos que uma mudança é possível e desejável.
Contudo, no Ocidente, devido às atividades que consomem, da manhã à noite, uma parte considerável de nossa energia, temos menos tempo para nos debruçar sobre as causas fundamentais da felicidade. Imaginamos que, mais ou menos conscientemente, quanto mais multiplicamos nossas atividades, mais as sensações se intensificam e mais nossa insatisfação é estancada. Na realidade, muito são aqueles que, ao contrário, se sentem decepcionados e frustrados com o modo de vida contemporâneo. Sentem-se desarmados, mas não veem outra solução porque as tradições que preconizam a própria transformação estão fora de moda. As técnicas de meditação visam transformar a mente. Não é necessário atribuir-lhes um rótulo religioso particular. Cada um de nós tem uma mente, cada um pode trabalhar com ela.
MATTHEIU RICARD

SOFRIMENTO POR SI SÓ NÃO É TÃO RUIM

É possível tomar nossa existência como um “mundo sagrado”, encarar esse lugar como espaço aberto em vez de um escuro vazio claustrofóbico. É possível ter uma relação amigável com nossa natureza de ego, é possível apreciar a estética da dança de formas na vacuidade, e existir nesse lugar como reis majestosos de nossas próprias consciências.
r-MINDFULNESS-STUDY-large570-e1367261705459Mas, para fazer isso, precisaríamos desistir de “agarrar” para fazer tudo sair do jeito que imaginamos em nossos devaneios.
Então, o sofrimento é causado pela ignorância ou “agarrar ignorante” — ou é exagerado pela ignorância ou “agarrar ignorante” — e apego pela noção de como imaginamos que deveria ser. Isso é o que causa o “sofrimento do sofrimento”. O sofrimento por si só não é tão ruim. É o ressentimento contra o sofrimento que é a verdadeira dor.
Por eu facilmente ficar chateado e agitado, isso mostra que não tenho a mente de renúncia. A mente de renúncia de certo modo é bem simples. Temos mente de renúncia quando compreendemos que tudo isso não é grande coisa. Alguém pisa em seu dedão, qual a grande coisa aí? Quanto mais nos acostumarmos com essa ideia, mais temos mente de renúncia. Pelo menos, tento ver por que transformo tudo em uma coisa tão grande. Estou meramente dando a você um modelo de como invocar a mente de renúncia.
É um pouco como esse exemplo. Estamos andando nesse deserto por tanto tempo, e tudo que jorra, que é aquoso, é tão importante para nós. Mesmo se vemos uma miragem, nosso único desejo é se aproximar da água sem jamais compreender que é só uma miragem. Se você não sabe que é uma miragem e vai até lá, tudo que você obtém é um grande desapontamento. Então, saber que é só uma miragem é a mente de renúncia. [...]
A renúncia de algum modo tem essa conotação de abrir mão de algo. Mas é como o exemplo da miragem. Você não pode abrir mão da água porque não há nenhuma água; é só uma miragem. Além disso, você não precisa abrir mão de uma miragem porque qual é o sentido de abrir mão de uma miragem? A pessoa simplesmente só precisa saber que é uma miragem. Tal compreensão é uma grande renúncia. No momento que você sabe que é uma miragem, o mais provável é que você nem vá até lá porque sabe que é falso; ou mesmo que vá, não há desapontamento, porque você já sabia o que havia ali. No mínimo, você terá só um pequeno desapontamento. É por isso que Jamgon Kongtrul disse que a mente de renúncia é como uma fundação. [...]
A mente de renúncia não tem nada a ver com sacrifício. Como já mencionei, quando falamos sobre renúncia, de algum modo ficamos todos assustados porque pensamos que temos que abrir mão de alguns bens, algo valioso, algumas coisas importantes. Mas não há nada que é importante; não há nada que solidamente exista. Tudo que você está abrindo mão é, na verdade, uma vaga identidade. Você compreende que isso não é verdadeiro, não é absoluto; é esse o modo e o porquê de desenvolver renúncia.
A renúncia não precisa ser vista como negativa. Fui ensinada de que ela tem a ver com desistir de segurar. Uma pessoa renuncia ao “fechar-se” e “desligar-se” da vida. Poderia ser dito que renúncia é a mesma coisa que se abrir para os ensinamentos do momento presente. [...]
A renúncia é compreender que nossa saudade de ficar em um mundo protegido, limitado e bonitinho é insanidade. Uma vez que você começa a captar o sentimento de quão grande é o mundo e quão vasto é o nosso potencial para experimentar a vida, então você realmente começa a entender a renúncia.
Quando sentamos em meditação, sentimos nossa respiração assim que ela acontece, e sentimos uma certa vontade de apenas estarmos abertos ao momento presente. Então, nossas mentes passam a vagar entre todo tipo de histórias, artificialidades e realidades fabricadas, e dizemos a nós mesmos: “isso é pensar”. Dizemos isso com muita gentileza e muita precisão.
Toda vez que estamos prontos para deixar de lado a trama, e toda vez que estamos prontos para deixar-se ir no final da expiração, isso é renúncia fundamental: aprender como abandonar o segurar e o manter.
CONCLUSÃO DA MEDITAÇÃO
Ao meditar, é importante saber claramente a condição mental que você quer chegar como a conclusão da meditação. Textos lamrim descrevem o objetivo de cada meditação, e queremos garantir que nossa mente chegue a essa conclusão e não a uma conclusão incorreta ou irrelevante.
Por exemplo, ao meditar sobre as desvantagens do pensamento centrado no ego, nossa mente pode distorcer essa meditação e concluir: “sou uma pessoa horrível por ser tão egoísta”. Essa é a conclusão errada que se chega com essa meditação. O Buda não ensinou as desvantagens do centramento no ego para que ridicularizemos a nós mesmos.
Se você meditar em um tópico lamrim e chegar a uma conclusão incorreta, a meditação não foi feita corretamente. No caso acima, pensar “sou uma pessoa ruim por ser tão egoísta”, indica que não compreendemos o objetivo da meditação e provavelmente caímos em um velho hábito de nos colocarmos para baixo. Pare e pergunte a si mesmo:
“Qual conclusão o Buda quer que eu chegue a partir dessa meditação?”. Ele quer que eu tenha certeza que a mente centrada no ego é o verdadeiro “inimigo”, que destrói minha felicidade. O centramento no ego não é uma parte intrínseca de mim; não é quem eu sou. Trata-se de um pensamento incorreto, mas profundamente enraizado, que cria problemas para mim. Posso me libertar disso. Já que quero ser feliz, vou compreender essa atitude egoísta pelo que ela é, e vou parar de seguí-la! Em vez disso, vou cultivar amor e compaixão por todos os seres.”
Essa é a conclusão que você quer chegar.
“Guided Meditations on the Stages of the Path”

“A MEDITAÇÃO NÃO É UMA PRÁTICA PARA TENTAR ATINGIR O ÊXTASE, BEM-AVENTURANÇA ESPIRITUAL, OU TRANQÜILIDADE, NEM É A TENTATIVA DE SE TORNAR UMA PESSOA MELHOR. É SIMPLESMENTE A CRIAÇÃO DE UM ESPAÇO EM QUE SOMOS CAPAZES DE EXPOR E DESFAZER OS NOSSOS JOGOS NEURÓTICOS, DOS NOSSOS AUTO-ENGANOS, NOSSOS MEDOS E ESPERANÇAS ESCONDIDAS.”  CHOGYAM TRUNGPA