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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O DESPERTAR DA COMPAIXÃO

O DESPERTAR DA COMPAIXÃO

Em 1992, fui com um grupo de cientistas para os Himalaias para estudar os efeitos da meditação. Um dos tópicos da investigação era a compaixão. Perguntamos a um velho monge tibetano, mestre de vários outros iogues que viviam nas montanhas, sobre a relação entre sofrimento e compaixão. Na tradição budista se diz que um bodisatva, pessoa constantemente motivada a ajudar os seres sencientes a atingir o despertar espiritual, olha para todos os seres como uma mãe olha para seus filhos. Quando uma criança se machuca, a mãe sente compaixão e sofre. Uma vez que a finalidade do Darma é aliviar o sofrimento, os neurocientistas então perguntaram ao iogue sobre qual é a relação entre sofrimento e compaixão.
O velho monge explicou: “O sofrimento empático vem antes da compaixão.” O primeiro estágio da compaixão é a empatia. Com empatia, há sofrimento. Mas o sofrimento que se sente com a empatia se torna combustível para o fogo da compaixão. A empatia combinada ao que os tibetanos chamam de sem-shuk, ou “poder do coração”, acende a compaixão. O poder da compaixão está além do sofrimento pessoal e está focado em soluções, no quê pode ser feito. O velho iogue explicou aos neurocientistas que quando a compaixão surge, o sofrimento é transcendido e a atenção se volta a como ser útil. O sofrimento é o combustível da compaixão, não o seu resultado.
Trecho extraído do livro “Budismo com atitude“, por Alan Wallace.

COMPAIXÃO: A SOBREVIVÊNCIA DO MAIS GENTIL

IMAGINE PASSAR SUA VIDA INTEIRA em um pequeno quarto com apenas uma janela fechada e tão suja que mal deixe passar a luz.  Você provavelmente acharia que o mundo é um lugar bastante obscuro e sombrio, repleto de criaturas de formas estranhas que lançam sombras aterrorizantes no vidro sujo quando passam pelo seu quarto. Mas imagine que um dia você derrame um pouco de água na janela, ou um pouco de chuva escorra pelo vidro depois de uma tempestade e use um trapo ou a manga de sua camisa para enxugar a água. Ao fazer isso, parte da sujeira acumulada no vidro é limpa. Subitamente, um pequeno feixe de luz atravessa o vidro. Curioso, você pode limpar um pouco mais e, à medida que mais sujeira é limpa, mais luz entra no quarto. “Talvez”, você pensa, “o mundo não seja tão escuro e assustador. Talvez seja o vidro”.
 Você vai até a pia e pega mais água (e talvez mais alguns trapos) e esfrega até que toda a superfície da janela fique livre da sujeira. A luz entra em todo o seu resplendor e você percebe, talvez pela primeira vez, que todas aquelas sombras de formas estranhas que costumavam assustá-lo a cada vez que passavam eram pessoas — exatamente como você! E, das profundezas de sua consciência, surge o desejo instintivo de formar um vínculo social — sair para a rua e estar com essas pessoas.
Na verdade, você não mudou absolutamente nada. O mundo, a luz e as pessoas sempre estiveram lá. Você só não conseguia vê-los porque sua visão estava obscurecida. Mas agora você vê tudo, e que enorme diferença isso faz!
É isso que, na tradição budista, chamamos de despertar da compaixão, o despertar de uma capacidade inata de identificar-se com e compreender a experiência dos outros.

A BIOLOGIA DA COMPAIXÃO

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O budismo entende a compaixão de uma forma, em alguns aspectos, um pouco diferente do sentido comum da palavra. Para os budistas, a compaixão não significa apenas sentir pena das outras pessoas. O tempo tibetano — nying-jay —implica uma expansão absolutamente direta do coração. Provavelmente a tradução mais próxima de nying-jay seja “amor” — mas um tipo de amor sem apego e sem nenhuma expectativa de obter algum retorno. A compaixão, em termos tibetanos, é um sentimento espontâneo de vínculo com todos os seres vivos. O que você sente eu sinto; o que eu sinto você sente. Não há nenhuma diferença entre nós. 
 Biologicamente, somos programados para reagir a nosso ambiente em termos relativamente simples de evitar ameaças à nossa sobrevivência e aproveitar oportunidades de melhorar nosso bem-estar. Basta folhear as páginas de um livro de história para ver que o desenvolvimento humano é, com muita freqüência, um conto de violência escrito com o sangue de seres mais fracos.
 E mesmo assim parece que a mesma programação biológica que nos impulsiona na direção da violência e da crueldade também nos proporciona emoções que não apenas inibem a agressão, mas também nos impelem a agir de maneiras que sobrepujem o impulso de sobrevivência pessoal para atuar a serviço dos outros. Surpreendi-me com uma afirmação feita por Jerome Kagan, professor de Harvard, durante sua apresentação na conferência de 2003 do Mind and Life Institute, quando ele observou que, junto com a nossa tendência para a agressão, nosso instinto de sobrevivência nos equipou com “uma tendência biológica ainda maior para a gentileza, a compaixão, o amor e o cuidado com o outro”.
 Ouvi várias histórias sobre o número de pessoas que arriscaram suas vidas durante a Segunda Guerra Mundial para oferecer refúgio aos judeus europeus perseguidos pelos nazistas e sobre os heróis anônimos de hoje que sacrificam seu próprio bem-estar para ajudar as vítimas da guerra, da fome e da tirania em vários países do mundo. Além disso, muitos de meus alunos ocidentais são pais que sacrificam uma enorme quantidade de tempo e energia indo e vindo com os filhos entre competições esportivas, atividades musicais e outros eventos, enquanto pacientemente reservam dinheiro para a educação das crianças.
 Sacrifícios como esses parecem, em um nível individual, indicar um conjunto de fatores biológicos que transcendem medos e desejos pessoais. O simples fato de termos sido capazes de criar sociedades e civilizações que pelo menos reconhecem a necessidade de proteger e cuidar dos pobres, dos fracos e dos indefesos sustenta a conclusão do professor Kagan de que “o senso ético é uma característica biológica de nossa espécie”.
 Essas observações ressoam quase completamente com a essência dos ensinamentos do Buda: quanto mais claramente vemos as coisas como são, mais dispostos e capazes nos tornamos de abrir nossos corações a outros seres.Quando reconhecemos que os outros vivenciam dor e infelicidade porque não reconhecem sua verdadeira natureza, somos espontaneamente movidos por um desejo profundo de que eles vivenciem o mesmo senso de paz e clareza que começamos a conhecer.
Assim que reconhecemos que os outros seres sencientes — pessoas, animais e até insetos — são exatamente como nós, que sua motivação básica é vivenciar a paz e evitar o sofrimento, quando alguém age de alguma maneira ou diz alguma coisa que se oponha a nossos desejos, somos capazes de ter alguma base para a compreensão: “Ah, tudo bem, essa pessoa (ou esse animal) está assumindo essa posição porque, assim como eu, ela quer ser feliz e evitar o sofrimento. E essa é a sua motivação básica. Não é nada pessoal; ela só está fazendo o que acha que precisa fazer.”
A compaixão é a sabedoria espontânea do coração. Ela está sempre conosco. Ela sempre esteve e sempre estará. Quando surge em nós, é porque aprendemos a ver como somos, na realidade, fortes e seguros.
Se você realmente quiser ver o quão ativa uma mente compassiva pode ser, há um exercício muito simples que provavelmente não tomará mais de cinco minutos do seu tempo. Pegue uma caneta e papel e faça uma lista de dez problemas que você gostaria de ver resolvidos. Podem ser problemas globais ou questões que o cercam. Você não precisa pensar em soluções. Simplesmente faça a lista.
O simples ato de escrever essa lista mudará sua atitude significativamente. Isso despertará a compaixão natural de sua verdadeira mente.
COMPAIXAO
Recentemente, um aluno me disse que achava que “bondade amorosa” e “compaixão” eram termos frios. Essas palavras soavam muito distantes e acadêmicas, muito parecidas com um exercício intelectual de ter pena das outras pessoas. “Por que”, ele perguntou, “não podemos usar uma palavra mais simples e direta, como ‘amor’?”
Há alguns bons motivos pelos quais os budistas usam os termos “bondade amorosa” e “compaixão”, e não um termo mais simples como “amor”. A palavra “amor” está tão ligada a reações mentais, emocionais e físicas associadas ao desejo que há algum perigo em associar esse aspecto da abertura da mente com o reforço da ilusão essencialmente dualista do “eu” e do “outro”: “Eu o amo” ou “Eu amoisto”. Há um sentido de dependência do objeto amado e uma ênfase no benefício pessoal de amar e ser amado. Sem dúvida, há exemplos de amor, como o vínculo entre um pai e um filho, que transcendem o benefício pessoal para incluir o desejo de beneficiar outra pessoa. A maioria dos pais provavelmente concordaria que o amor que sentem em relação aos filhos envolve mais sacrifício do que recompensas pessoais. Entretanto, em geral, os termos “bondade amorosa” e “compaixão” servem como “faróis vermelhos” lingüísticos. Eles nos fazem parar e pensar sobre o nosso relacionamento com os outros. Sob a perspectiva budista, abondade amorosa é o desejo de que todos os seres sencientes — mesmo aqueles de quem não gostamos — vivenciem o mesmo senso de alegria e liberdade que nós mesmos desejamos sentir: um reconhecimento de que todos nós vivenciamos os mesmos tipos de desejos e necessidades; o desejo de viver nossas vidas em paz e sem medo da dor. Até uma formiga ou uma barata vivência os mesmos tipos de necessidades e medos que os humanos. Como seres sencientes, somos todos parecidos; somos todos relacionados. A bondade amorosa implica um tipo de desafio para desenvolver essa consciência de gentileza ou associação em um nível emocional, e até físico, em vez de permitir que o termo permaneça em um conceito intelectual.
 A compaixão leva essa capacidade de considerar outro ser senciente como um igual ainda mais longe. Seu significado básico é “sentir com”, um reconhecimento de que o que você sente eu sinto. Tudo o que o prejudica me prejudica. Tudo o que o beneficia me beneficia. A compaixão, em termos budistas, é uma completa identificação com os outros e uma prontidão ativa para ajudá-los de qualquer maneira.
 Encare a palavra em termos práticos. Se você mentir para alguém, por exemplo, quem você realmente prejudica? A si mesmo. Você precisa viver com o peso de se lembrar da mentira que contou, eliminar todos os rastros e talvez montar toda uma rede de novas mentiras para impedir que a mentira original seja descoberta. Ou suponha que você roube alguma coisa, mesmo algo tão sem valor quanto uma caneta, do seu escritório ou de outro lugar. Pense no número de grandes e pequenas ações envolvidas para esconder o que você fez. E, apesar de toda a energia gasta para encobrir sua ação, você quase inevitavelmente será pego. Não há como esconder cada detalhe. Assim, no final, o que você de fato fez foi despender muito tempo e esforço, que poderia ter sido direcionado para algo mais construtivo.
A compaixão é essencialmente o reconhecimento de que todos e tudo são um reflexo de todas as outras pessoas e todas as outras coisas. E com uma simples mudança de perspectiva, você pode não apenas alterar a própria experiência, mas também mudar o mundo.

EXERCÍCIO: NÍVEL UM DE MEDITAÇÃO SOBRE BONDADE AMOROSA E COMPAIXÃO

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A meditação sobre a bondade amorosa e a compaixão compartilha muitas semelhanças com as práticas shinay, das quais já falamos. A  principal diferença é a escolha do objeto no qual repousamos nossa atenção e os métodos que utilizamos para repousar nossa atenção. Uma das lições mais importantes que aprendi em meus anos de treinamento formal foi que, sempre que bloqueava a compaixão, que é uma qualidade natural de minha mente, inevitavelmente acabava me sentindo pequeno, vulnerável e temeroso. É fácil achar que nós somos os únicos a sofrer, enquanto outras pessoas são de alguma forma imunes à dor, como se tivessem nascido com algum tipo de conhecimento especial sobre ser feliz, por meio de algum acidente cósmico, que nunca recebemos. Ao pensar assim, fazemos com que nossos próprios problemas pareçam muito maiores do que realmente são.
 Eu fui tão responsável por essa crença quanto todo mundo e, como resultado, me permiti ficar isolado, preso em um modo dualista de pensar, com pena de meu “eu” fraco, vulnerável, e temendo todas as outras pessoas do mundo, que eu considerava muito mais fortes, felizes e seguras. O poder que eu achava que as outras pessoas tinham sobre mim se tornou uma terrível ameaça a meu próprio bem-estar. A qualquer momento, eu pensava, alguém poderia encontrar uma forma de destruir toda a segurança ou felicidade que eu conseguira atingir.
Depois de trabalhar durante anos com pessoas, dei-me conta de que não era o único a ter sentimentos desse tipo. Alguma parte de nosso cérebro reptiliano imediatamente avalia se estamos diante de um amigo ou inimigo. Aos poucos, essa percepção se estende aos objetos inanimados, até que tudo — um computador, um fusível, a luz piscante de uma secretária eletrônica — parece, de alguma forma, ameaçador.
 Quando comecei a praticar a meditação sobre compaixão, contudo, descobri que meu senso de isolamento começou a diminuir, enquanto, ao mesmo tempo, meu senso pessoal de autonomia e força começou a crescer. Onde eu só via problemas, comecei a ver soluções. Onde no passado eu via minha própria felicidade como algo mais importante que a felicidade alheia, comecei a ver o bem-estar dos outros como as bases para a minha própria paz de espírito.
 Da forma como me ensinaram, o desenvolvimento da bondade amorosa e da compaixão começa com o aprendizado de como apreciar a si mesmo. Trata-se de uma lição difícil, especialmente para pessoas que cresceram em culturas nas quais não é comum ater-se a fraquezas pessoais, privilegiando, em seu lugar, forças pessoais. Não se trata de um problema particularmente ocidental. Desenvolver uma atitude compassiva em relação a mim mesmo literalmente salvou minha vida durante meu primeiro ano de retiro. Eu poderia nunca ter saído do meu quarto se não tivesse confrontado minha verdadeira natureza, olhado profundamente em minha própria mente e visto sua verdadeira força, em vez da vulnerabilidade que sempre achei que estivesse presente.
 Uma das coisas que me ajudaram quando estava sozinho em meu quarto foi me lembrar que a palavra sânscrita para “ser humano” é ■purusha, que basicamente significa “algo que tem força”. Ser humano significa ter força; mais especificamente, a força de realizar o que quisermos. E o que queremos remete ao impulso biológico básico de ser feliz e evitar a dor.
Assim, no começo, desenvolver a bondade amorosa e a compaixão significa usar a si mesmo como o objeto de seu foco meditativo. O método mais fácil é um tipo de variação da “prática de escaneamento” descrita anteriormente. Se você estiver praticando formalmente, fique na postura dos sete pontos da melhor maneira possível. Fique com a coluna ereta enquanto mantém o restante do corpo relaxado e equilibrado e permita que sua mente relaxe em um estado de mera consciência.
Após alguns momentos repousando sua mente na meditação sem objeto, faça um rápido “exercício de escaneamento”, observando, gradualmente, seu corpo físico. A medida que escaneia seu corpo, permita-se reconhecer como é maravilhoso ter um corpo, bem como uma mente capaz de escaneá-lo. Permita-se reconhecer como esses fatos tão básicos de sua existência são magníficos, como você tem sorte de ter os dons deslumbrantes de um corpo e de uma mente! Repouse nesse reconhecimento por um momento e então, gentilmente, inclua o seguinte pensamento: “Como seria bom se eu pudesse sempre desfrutar esse senso de bem-estar. Como seria bom se eu pudesse sempre desfrutar esse senso de bem-estar e todas as causas que levam a me sentir feliz, tranqüilo e bem.”
Então, somente permita que sua mente repouse, aberta e relaxada. Não tente manter essa prática por mais de três minutos se estiver praticando formalmente ou mais de alguns segundos durante sessões de meditação informal. É muito importante praticar em sessões curtas e depois permitir que sua mente repouse. Breves sessões de prática seguidas de períodos de repouso permitem que essa nova consciência se estabilize — ou, em termos científicos ocidentais, dão a seu cérebro a chance de estabelecer novos padrões sem ser subjugado pela antiga tagarelice neuronal. Quando abandona a prática, você dá a si mesmo a chance de permitir que os efeitos o inundem de sentimento positivo.
Uma vez que você se familiariza com o próprio desejo de felicidade, fica muito mais fácil estender essa consciência aos outros seres sencientes a seu redor — pessoas, animais e até insetos. A prática da bondade amorosa e da compaixão em relação aos outros essencialmente envolve cultivar o reconhecimento de que todas as criaturas vivas querem sentir-se plenas, seguras e felizes. Tudo o que você precisa fazer é lembrar-se de que tudo o que se passa na mente de outra pessoa é o mesmo que se passa na sua. Quando você se lembra disso, percebe que não há motivo para ter medo de qualquer pessoa ou qualquer coisa. Você só tem medo quando falha em reconhecer que qualquer coisa ou qualquer pessoa que você possa estar encarando é exatamente como você: uma criatura que só quer ser feliz e estar livre do sofrimento.
Os textos budistas clássicos ensinam que deveríamos nos concentrar primeiro em nossas mães, que demonstraram a maior gentileza possível em relação a nós ao nos carregar em seus corpos, trazer-nos ao mundo e cuidar de nós nos primeiros anos de nossas vidas, muitas vezes com muito sacrifício. Entendo que muitas pessoas nas culturas ocidentais nem sempre têm relacionamentos amáveis e afetuosos com seus pais — casos nos quais usar o pai ou a mãe como objetos de meditação não seria algo muito prático. Nesses casos, é perfeitamente aceitável concentrar-se em outro objeto, como um parente especialmente gentil, um professor, um amigo ou uma criança. Algumas pessoas escolhem se concentrar em seus animais de estimação. Não importa o objeto de sua meditação; o importante é repousar levemente sua atenção em algo ou alguém em relação ao qual você tem um profundo sentimento de afeto ou carinho. Ao assumir a bondade amorosa e a compaixão como uma prática formal, comece mantendo a postura dos sete pontos ou, pelo menos (se estiver sentado em um ônibus, por exemplo), mantendo sua coluna reta enquanto permite que seu corpo repouse naturalmente. Como em qualquer prática de meditação, uma vez que posicionar seu corpo, o próximo passo será permitir que sua mente repouse naturalmente por alguns momentos e desligar-se de tudo o que você possa estar pensando no momento. Somente permita que sua mente respire em um grande suspiro de alívio.
Depois de repousar sua mente por alguns momentos na meditação sem objeto, conduza sem esforço sua consciência para a pessoa pela qual você tenha mais facilidade de sentir carinho, afeição ou interesse. Não se surpreenda se a imagem de alguém ou alguma coisa que você não escolheu deliberadamente aparecer com mais força do que o objeto com o qual você pode ter escolhido trabalhar. Isso acontece, muitas vezes de forma bastante espontânea. Um de meus alunos começou sua prática formal pretendendo concentrar-se em sua avó, que foi muito afetuosa com ele quando era jovem; mas a imagem que insistia em aparecer era a de um coelho que ele tinha na infância. Esse é só um exemplo da afirmação da sabedoria natural da mente. Na verdade, ele tinha várias memórias afetuosas associadas ao coelho e, quando, finalmente, se entregou a elas, a prática se tornou bastante fácil.
Por vezes, você pode perceber que sua mente produz espontaneamente memórias de uma experiência agradável que você teve com alguém, e não uma imagem mais abstrata da pessoa que escolheu como objeto de meditação. Tudo bem se isso acontecer. O importante em cultivar a bondade amorosa e a compaixão é permitir-se vivenciar sentimentos genuínos de afeto, carinho ou afeição.
A medida que prossegue, permita que o senso de afeto ou carinho se estabeleça em sua mente, como uma semente plantada no solo, alternando por alguns minutos entre vivenciar essa experiência e permitir que sua mente repouse na meditação sem objeto. Enquanto alterna entre esses dois estados, permita-se desejar que o objeto de sua meditação possa vivenciar o mesmo senso de abertura e afeto que você sente em relação a ele ou a ela.
Depois de praticar dessa forma por algum tempo, você está pronto para ir um pouco mais fundo. Comece como antes, assumindo a postura apropriada e permitindo que sua mente repouse na meditação sem objeto por alguns momentos ; em seguida, conduza à mente o objeto de sua bondade amorosa e compaixão. Uma vez que tenha estabelecido o objeto de sua meditação, há algumas formas diferentes de prosseguir. A primeira é imaginar o objeto escolhido em um estado de muita tristeza ou dor. Se o objeto escolhido já estiver nessa condição, pense em sua condição presente. De qualquer forma, a imagem que você chama à mente naturalmente produz um profundo senso de amor e vínculo e um profundo desejo de ajudar. Pensar que alguém ou alguma coisa com a qual você se importa está sentindo dor pode partir seu coração. Mas um coração partido é um coração aberto. E é uma oportunidade para que o amor e a compaixão fluam através de você.
Outra abordagem é repousar levemente sua atenção no objeto escolhido enquanto se pergunta: “O quanto eu quero ser feliz? O quanto eu quero evitar a dor ou o sofrimento?” Permita que seu pensamento sobre esses pontos seja o mais específico possível. Por exemplo, se você estivesse em algum lugar muito quente, não preferiria ir para um lugar mais aberto ou fresco? Se estivesse sentindo algum tipo de dor física, não gostaria que a dor fosse aliviada? Enquanto pensa em suas respostas, conduza lentamente sua atenção ao objeto escolhido e imagine como ele se sentiria na mesma situação. Essa prática não apenas abre seu coração aos outros seres, mas também dissolve a própria identificação com qualquer dor ou desconforto que possa estar sentindo.
Trecho extraído do livro ”A Alegria de Viver – Descobrindo o segredo da felicidade”,  de Mingyur Rinpoche.

COMPAIXÃO GENUÍNA, POR DALAI LAMA

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