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sábado, 18 de junho de 2011

O PATRIARCA

 O patriarca, braço firme, brado forte, pela união da família, se empenhou até a morte.
 De família conceituada na região, ele e mais 4 irmãos, 3 homens e 1 mulher, todos herdaram de seu pai, uma fazenda como quinhão.
 A de meu avô, se chamava Santa Inácia, tinha 160 alqueires paulista (  cada alqueire = 24.200 m² ).
 A metade, ou seja, 80 alqueires, juntamente com a casa sede, uma represa de água, e terra menos fértil, ele vendeu, e repartiu o valor da venda, entre as 4 filhas. O restante ele deixou com uso fruto, para os 4 filhos, que até hoje ainda possuem a terra.
 Uma das atrações da fazenda, era a roda d´agua, ela acionava um dínamo, que gerava energia elétrica, e também virava um moinho, que fazia fubá, toda a estrutura onde ele ficava, era de madeira.
 Os vizinhos, traziam o milho, ele era moído, e como pagamento pelo trabalho da moagem, deixavam um percentual do milho.
 A educação de seus filhos, foi a ferro e fogo, era muito durão, uma vez, duas amazonas visitaram sua fazenda vestidas a caráter, coisa rara na época, minha mãe, e uma de suas irmãs, como não estavam acostumadas com isso, deram risada, e ele achou falta de educação, quando as amazonas partiram, de rabo de tatu elas apanharam.
 Diante de algum pretendente para suas filhas, já ficava de prontidão, e ao mancebo já ia declarando, se tiver boa intenção seja benvindo, caso contrário, continue seu caminho seguindo.
 Como todo italiano machão, a prioridade era para o filho varão, as filhas sempre ficavam em segunda mão.
 Minha mãe, já era avó, porém diante de um olhar seu, nem palavra precisava, abaixava a cabeça, e logo se aquietava.
 De vigiar os filhos, nunca baixou guarda, uma filha, mesmo depois de viúva, a sua casa ele rondava, não admitia, que outro companheiro ela arrumava.
 A entrevista, para alguém que almejasse trabalhar em sua fazenda, era ver a palma da mão, se não tivesse calejada, para outro lugar, aconselhava a pessoa a buscar nova empreitada.
 Além de fazendeiro, da família era o churrasqueiro, posição em que tinha cadeira cativa, e disso não abria a mão por nada, seu neto Paulo, o ajudava sempre, diante de qualquer festa, ou casamento de algum ente querido, abatia um boi na invernada.
 Quando tinha alguma carne dura, ele tinha a solução ( conto aqui agora, mas era segredo dele ), para ela amolecer, deixava de molho no leite de mamão.
 E quando, nas festas o churrasco e os salgados, tinham algum erro de cálculo, entre os convidados, que vieram além do estimado, e ele pressentia que ia faltar, logo já dizia, vamos o bolo cortar.
 O motivo era o seguinte: Quando as pessoas estavam comendo salgado, na maior empolgação, e logo em seguida comiam doce, dava uma sensação de estar alimentado, então o bolo era a solução.
 Seus dentes eram muito fortes, e por isso ele abusava, abria as garrafas de guaraná e cerveja com eles, e nem pestanejava.
 Como grande chefe da família, ele conseguia reunir com muita frequência, para almoços, na fazenda, em postos ao longo das rodovias, os filhos, filhas, genros, noras, netos, netas, e demais membros da família, reuniões que foram se escasseando depois da sua morte, mas como ponto positivo, é que elas deixaram muitas lembranças boas.
 Uma delas, eram os guaranás, que ele só permitia que tomasse depois do almoço, mas eu e meu primo Valdir, íamos escondido na dispensa onde ele guardava as bebidas, e tomávamos antes das refeições, as fatias de melancias rajadas, que chupávamos depois do almoço, naquela época eram muito mais gostosas que agora.
 De eu comer devagar desde criança, foi motivo que o incomodasse, e segundo seus conceitos, torcia para que eu fizesse o exército, e a comer mais rápido me adaptasse.
 As novelas de rádio também eram sua alegria, capítulos do "Jerónimo, o herói do sertão", ele nunca perdia.
 Uma grande lição, meu avô levou uma vez, ele gostava de caçar, e mantinha cachorros perdigueiros farejadores, segundo ele, os melhores eram os machos, um dia uma fêmea pariu grande ninhada, e quase todas fêmeas, ele então com um pedaço de pau, bateu na cabecinha delas matando-as, colocou todas em um saco e jogou em um rio, para sua surpresa, a mãe foi trazendo uma por uma, todas de volta, até a porta de sua casa, com isso ele ficou muito arrependido, e nunca mais cometeu esse ato novamente.
 Grande parte da minha infância, em sua fazenda eu passei, sempre no meio de aves,suínos, bovinos, equinos, e outros bichos.
 No seu cavalo que se chamava "Bam Bam Gi", eu gostava de andar, foi nele que aprendi a montar.
 O balanço na varanda, era uma grande distração, eu gostava de balançar, porém a disputa com outros primos, sempre foi motivo de competição.
 O primeiro filme que assisti no cinema, foi ele que me levou, "Marcelino, Pão e Vinho", assisti e gostei, e quando encontrei uma cópia desse filme no shopping Eldorado, fui lá e comprei.
 Aos filmes do "Mazzaropi", ele também sempre me levava, e ao seu lado eu sentava.
 Eu como neto "primogénito", tinha de vez em quando sua preferência, e aos jogos do time da "Ferroviária", sempre com sua camionete ele ia, porém vinha me buscar, para ser sua companhia.
 Como todo bom italiano, ele gostava de fazer pão, em um cilindro a massa ele passava, e muito contente ele ficava, quando eu o ajudava.
 Ele e minha avó, quando já moravam na cidade, depois de trabalhar na fazenda, e a sua casa retornar, tomava seu banho, jantava, e depois os dois na área frontal da casa iam em suas cadeiras descansar. E eu quase toda tarde, lá ia beijar as suas mãos, e suas bênçãos solicitar.
 Ele não rodeava não, quando estava descontente com alguma coisa, que outra pessoa estava fazendo já começava a assobiar, como todo homem do campo que dormia cedo, e também acordava, quando recebia alguma visita em sua casa, e a mesma ficava proseando até mais tarde, ele falava "as visitas estão com sono, já está na hora de dormir".
 Quando eu já tinha uma certa idade, com sua influência, ele queria um emprego me arrumar, mas pela minha natureza, meu próprio negócio eu queria ter.
 Depois que iniciei a alimentação macrobiótica, ele sempre verduras me trazia, que as tinha cultivado de uma maneira orgânica ele me dizia.
 Ao médico não ia não, naquela época eles eram clínicos gerais, com uma visão mais global do ser humano, bem diferente de hoje, que só tem especialização, médico urologista, gastroenterelogista, cardiologista, e até analista. Era o Dr. Alonso Martinez, ou Otávio de Arruda Camargo, que iam em domicílio, prescreviam chás, pomadas, tinturas, e remédios mais naturais, médicos competentes, que assim agradavam aos pacientes.
 Até a hora de sua morte ele trabalhou, de um enfarto fulminante, que sua vida ceifou.
 Seu filho Lourenço, que na fazenda o acompanhava, e nela também trabalhava, a casa de meu pai chegou, muito assustado, a notícia ele comentou, e os dois retornaram ao local rapidamente, porém quando lá chegaram, foi tudo em vão, não restava mais nada a fazer não.

 "A sua bênção, meu avô Isidoro, não era perfeito, mas muitas saudades deixou"


                                  

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